Na madrugada
daquele dia do mês de Julho com o sol elevado a iluminar a planura
daquele mar da Gronelândia a norte do Círculo Polar Ártico.
Depois
de fazer uma emposta para leste até aos baixos do Kangek, relevos
rochosos com profundidades variáveis podendo chegar às dez e catorze
braças, o capitão deu a ordem de arriar: -" Arreia com Deus!"
Os
dóris espalharam-se à volta do navio, a norte e a sul uns, outros a
oeste e a leste, como de costume. A calma era absoluta, nem uma aragem,
nem um movimento que perturbasse minimamente a superfície do mar que
refletia a cor do céu agora límpido transfigurado por aquela luz
translúcida do norte boreal. Manso, gelado e silencioso mar.
O
silêncio era fantasmagórico, espectral, impressionante para o solitário
homem do dóri.
Distantes uns dos outros quanto baste, mais perto ou
mais longe do navio ouvia-se o bater de um remo que o homem do dóri
arrumava ou outro som relacionado com uma tarefa ocasional no afã da
pesca.
Eram sons que se sentiam como se fossem objetos alados a passar
até se perderem na distância...
Habituados
a sentir os batimentos cardíacos, os únicos capazes de se ouvir, os
homens dos dóris na sua solidão e naquele silêncio ouviam outros sons
surpreendentes do seu corpo, como por exemplo, os pulmões semelhante ao
som dos foles da forje do ferreiro a encher e a expelir o ar, os
movimentos peristálticos do intestino na laboração da massa ácida,
outros sons menos percetíveis de outros órgãos, talvez o estômago a
digerir o pequeno-almoço, talvez o sangue a correr na grande e pequena
circulação.
Impressionante! Isto naquele mar plano, gelado e silencioso
do norte. Uma raridade naquelas latitudes sem verão nem calor.
( Celestino Ribeiro in Crónicas do Navio Branco)
Sem comentários:
Enviar um comentário