segunda-feira, 20 de setembro de 2021

Para a História da Cova Gala (XIX) - A Fuga a dois de Bote para a América (Campanha de 1926).


Dois pescadores da Cova Gala e amigos inseparáveis, pensaram lançar-se numa aventura.
Se bem o pensaram...bem o fizeram.
Eram eles António dos Santos Cortina e Jesué Ferreira Ramos.
António dos Santos Cortina, filho de João dos Santos Cortina e de Maria Afonso, nasceu em 20 de Setembro de 1898 na povoação da Cova, Lavos, Figueira da Foz.
Fez a sua inscrição marítima em 21 de Fevereiro de 1916 na capitania da Figueira da Foz, livro 7, folhas 73, com o nr. 2.774.
Jesué Ferreira Ramos, filho de José Ferreira Ramos e de Augusta Maria Pereira, nasceu em 27 de Agosto de 1901 na povoação da Gala, Lavos Figueira da Foz.
Fez a sua inscrição marítima em 27 de Fevereiro de 1917, livro 7, folhas 166, com o nr. 2.868.
Na campanha de 1926, o Cortina Jesué fazem parte da tripulação do lugre Rio Lima, da praça de Viana de Castelo, comandado por João Fransisco Grilo, natural de Ílhado.
A bordo tudo ia correndo normalmente.
O Rio Lima encontava-se a pescar nos Bancos do Sul (Nova Escócia).
Fazia-se sentir uma quadra de bom tempo o que equivalia a pescarem todos os dias. As pescas estavam a ser razoáveis e quando assim era a escala e salga do peixe prolongava-se pela noite, o que obrigava o pessoal a muitas horas de trabalho consecutivo (18 a 20); o pessoal andava extenuado e quando caía no beliche, eram como uma pedra.
Durante o resto da noite, ficavam dois homens de vigia que eram rendidos de hora a hora.
O António Cortina e o Jesué faziam a sua vigia juntos e entenderam ter chegado a hora de concretizarem os seus planos: fugirem e tentarem alcançar terra americana.
Fazem os últimos preparativos pela calada da noite, arriam um dóri; aproveitando a aragem do vento favorável, içam a vela e fazem rumo a terra.
Embora sabendo que vencer tal distância num dóri e naquele mar tão perigoso não era tarefa fácil, não hesitaram.
O que se estaria a passar?
O cozinheiro acordou e olhou para o relógio; como passava da hora habitual das vigias o chamarem para prepar o pequeno almoço, interrogou-se:
- Será que me chamaram e eu voltei a adormecer?
Levantou-se, foi ao convés e nao encontrou as vigias.
Para não levantar alarido, preparou a refeição e toca o sino (sinal que ia ser servida a refeição); é neste momento, que dão pela falta do Cortina e do Jesué e também pela falta de um dóri.
Estava esclarecida a razão  porque os vigias não acordaram o cozinheiro à hora habitual.
O piloto dá conhecimento da concorrência ao capitão.
Este ficou perplexo e diz - Só loucos pensam alcançar terra numa casquinha de noz!...
- Sim! será essa a única razão para abandonarem o navio! Que Deus tenha compaixão deles pela sua imprudência!

Mandou um dos seus homens subir ao mastro com um binóculo, para ver se descortinava alguma imagem!...Apesar do horizonte estar claro, nada se avistava.
- Bem rapaziada, vamos arriar na graça de Deus e rezem também para que o nosso senhor proteja os vossos camaradas e tenha compaixão deles, pela sua imprudência, porque o caminho que escolheram pode levá-los ao encontro da morte!...

Os Aventureiros e o Destino!...

Os dois amigos e companheiros lá iam navegando na solidão, cheios de esperanças mas também de incertezas.
Ao fim de algum tempo avistam um barco, reconhecendo ser um navio americano, que também se dedicava à pesca do bacalhau. Pensaram:
- Já aqui temos um ponto de apoio, pelo menos para nos abastecermos e colher algumas informações.
Quando chegaram junto ao navio, um dos tripulantes, reconhece o Cortina e exclama:
- Ai meu malandro!...O qué que fizestas à  minha filha?
- Éh home cale-se...no fiz nada!
- Atão porque qué que fugistas do deu navio?

- Queremos ir p'ra América, vomecê tamém no foi p'ra lá? 
(o sogro do Cortina, era conhecido por João Sardo, também era natural da Gala e estava há anos emigrado nos Estados Unidos da América).O capitão mandou-os saltar para o navio e amarrar o dóri à popa, e diz-lhes: - O cozinheiro vai dar-vos de comer e ficam aqui, até que apareça qualquer navio português para vos levar.
- Éh sô capitão no faça isso, c'agente quando chegar a Portugal bamos presos!...P'la sua rica saúde e p'la sorte dos seus filhos, leve-nos p'ra América!

De noite, o Cortina e o Jesué cortaram o cabo de amarração do dóri, com receio de algum navio português se aproximar e o reconhecer.
O João Sardo pediu ao capitão para que, se fosse possível, levasse os homens para a América, porque o genro tinha irmã em Gloucester.
O navio acabou a pesca e seguiu para o porto de armamento(Gloucester).
O Cortina foi para casa da irmã (Rosária Cortina) e arranjaram-lhe trabalho.
O Jesué conseguiu trabalho a tomar conta de um barco de recreio, de seguida arranjou uma companheira e passado algum tempo nasce um filho.
Porém a emigração prende os dois clandestinos e estes são recambiados para Portugal.
O António Cortina regressa a Lisboa; o Jesué com o seu filhinho de, com cetca de 3 anos(?), opta por ficar em Ponta Delgada para estar mais perto, uma vez que a mãe do seu filho era americana e ficou a tratar da necessária documentação, a fim de poderem regressarem legalmente à América.
O destino foi-lhes adverso, a sua companheira, mãe do seu filho, faleceu antes de se concretizar o que tanto desejavam...
O Jesué sentiu um grande golpe na sua vida. Perdeu a sua companheira e, o seu filhinho ainda tão pequenino ficava orfão...
Jesué ficou transtornado e viu-se numa situação deveras difícil, além do mais, continuava a trabalhar na vida do mar, numa terra onde não tinha familiares que pudessem acarinhar o seu filhinho!...
Embora fosse um homem de têmpera rija, sentiu-se fortemente abalado e desorientado.

- Aquela foi a maior tempestade que tive de enfrentar em toda a minha vida - (dizia ele) - Passei por momentos angustiosos dentro do dóri durante a pesca; passei momentos de aflição durante as viagens, quer na ida para a Terra Nova, quer no regresso; meti-me no dóri, com o António Cortina, naquele mar tão tempestuoso, frio e nevoento,numa viagem de aventura, sem saber se consegueria alcançar terra, mas nunca perdi a coragem, porém a perda da minha companheira e mãe do meu filho, foi a maior tempestade que apanhei em toda a minha vida e na qual estive quase à beira do naufrágio.
O Jesué forte como era, foi-se revigorando, arranjou uma nova companheira e regressa a Lisboa, onde fixa residência.
Vem à sua terra natal (Gala) visitar os pais e mostrar-lhes o neto.
Ao ter conhecimento que o capitão Grilo estava na Gala em casa dos sogros, quis ir cumprimentá-lo; quando se encontraram de frente a frente, o Grilo diz-lhe:
- Oh Jesué, olha a tua coragem, vires procurar-me!...
- Ó Sr Capitão,  peço-lhe muita desculpa, mas a falta que cometi foi, simplesmente, na esperança de procurar melhorar a minha situaçao, porque como sabe, aquela vida do bacalhau, não é vida para viver, mas sim uma vida para se morrer...

O capitão Grilo olha para o Jesué e diz-lhe: - Para fazer o que tu fizeste, é preciso ter muita coragem...é preciso ser um grande homem do mar, e tu sempre o foste!
Já te perdoei há muito tempo, dá cá um abraço!...


Nota 1 - Texto elaborado por Manuel Luis Pata, com base em conversas com o próprio Jesué Ferreira Ramos, nos meses de abril, maio, junho e julho de 1948, em Lisboa.

Nota 2 - António dos Santos Cortina era o meu avô materno, recordo-me vagamente já no final da sua vida em 1965, de uma conversa que teve com a minha mãe, no pátio da casa onde morávamos na Cova, perto da loja do "Manuel dos Caracóis", onde viveu connosco alguns meses.
Um dia no pátio, sentado junto ao poço, falava dessa sua grande aventura com o seu amigo Jesué.
Contava que foi ele que desafiou o Jesué, que de início estava um pouco reticente, mas lá o convenceu...para fugirem de bote para a América.
Estava decidido a reencontrar a sua irmã Rosária Cortina que já vivia nos Estados Unidos da América há alguns anos.
Há cerca de dez anos atrás recordei essa conversa com a minha mãe Rosa dos Santos Cortina que me confirmou e contou mais alguns promenores interessantes, desta aventura tão louca como incrível, destes dois pescadores da nossa terra, que à custa de muita coragem e heroísmo alcançaram a costa americana, à procura de uma vida melhor para as suas famílias, num tempo de dificuldades enormes, na luta quotidiana pela sobrevivência...


1 comentário:

  1. Não sabia
    Desta aventura mas agora vejo que foi o meu tio Antônio Cortina tio da minha mãe.

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O Mar...da Cova.

O Mar...da Cova.
Praia da cova...teu mar é imenso,tem muitas estórias para contar.Quando era criança quis alcançar o teu fim...nos meus pensamentos.O teu horizonte era a minha amante longínqua...As dunas a cama aonde um dia me iria deitar contigo...

Que dia é hoje?

Só existem dois dias no ano,em que nada se deve fazer.
Um chama-se ontem,e o outro amanhã.
Por isso hoje é o dia para amar,crer,fazer e principalmente viver...

Ponte dos Arcos...na Gala

Ponte dos Arcos...na Gala
Velha Ponte dos Arcos...Ponte da minha infãncia.Tua vida chegou ao fim...mas a tua imagem ficará sempre em mim.Olhas o rio,como quem olha o espelho da vida.Já viste alguém nascer...quem sabe!Não evitas-te que junto a ti alguém morresse.

Praia da Cova...

Praia da Cova...
O perfume do teu mar...é o presente,foi o passado e será o futuro da minha existência...