Naquele dia de outono, o vento soprava mais forte.
A chuva de início caía timidamente.
No entanto as nuvens negras, incitavam e ameaçavam...
O mar vomitava e rugia o seu furor, com espuma de cor amarela.
As dunas contemplavam indefesas.
Mais atrás o pinhal curvava-se, perante tal situação, em cima da barreira natural das dunas, que chegava a atingir quase cinco metros de altura.
O menino olhava a praia e o imenso oceano sem fim...
O vento desafiava-o, com chapadas de areia que os canaviais não conseguiam conter.
Sentia algum frio, mas o velho sobretudo que tinha vestido do irmão mais velho, vinha mesmo a calhar.
Quase lhe chegava aos pés, já se sentia um homenzinho, com os seus quase oito anos.
Na cabeça usava um barrete verde e branco, enfiado até ás orelhas.
A bolinha amarela do barrete, parecia girar ao sabor do vento, entretanto, o menino só olhava o mar.
Imaginava ao longe um bacalhoeiro na terra nova, onde se encontrava o pai e o "mano".
Tinha muitas saudades do irmão, foi a primeira vez que se separaram por tanto tempo.
As brincadeiras que faziam juntos e as birras que tinham, de tudo isso sentia falta.
Agora em casa,só estava a mãe e o "piloto", o cão preto de estatura média e focinho branco.
O "piloto"era muito amigo da família, sempre atento, ao mais pequeno ruído.
As suas grandes orelhas, punham-no logo em posição de combate, sempre que ouvia algum barulho lá fora...
De vez em quando, era um pandemónio lá no pátio da casa, numa guerra sem tréguas com a "céguêta" e o "gordinho", os gatos que tinhamos.
O "gordinho", é que provocava toda esta situação, como o nome indicava, era uma bola de gordura.
Muitas vezes, sorrateiramente, desafiava a céguêta, e punham-se a roubar o manjar do "piloto".
Era pernas para que te quero, os felinos a subirem a vedação em madeira do pátio, e daí treparem para o telhado da casa.
O cão continuava durante mais algum tempo a ladrar...depois repreendido pelo excesso de barulho que fazia, retornava à casota, e adormecia com o focinho por cima do velho osso seco, de algumas semanas...
Vivíamos perto da praia, numa casa de madeira.
Adorava o "sobrado" onde dormia, da minha janela pequena conseguia ver o mar e as gaivotas que faziam desenhos no céu.
O vento, e o bater das ondas, eram os meus companheiros preferidos, enquanto dormia.
Algumas redes, que o meu pai tinha pendurado, por vezes bailavam com o vento, e as telhas assobiavam por cima dos barrotes.
A velha lanterna a petróleo, apagava-se constantemente.
Em baixo, a cozinha era a maior divisão da casa.
Fascinava-me o borralho grande, onde todos se aqueciam, enquanto se preparava o jantar, quase sempre peixe.
A grande travessa em barro, em que todos comiamos e os serões que se faziam depois, junto ao calor do borralho.
As conversas dos meus pais, que nem sempre compreendia.
O acordar no dia seguinte, em que a chuva não parava de cair, a areia molhada, e as poças de água, que ficavam nos poucos caminhos da aldeia.
Estávamos no final dos anos quarenta, eram tempos difíceis...
Na Cova, como noutras pequenas povoações junto á beira-mar, e que viviam sobretudo de actividades piscatórias, a coragem era do tamanho do mundo, para se poder sobreviver...
No entanto já se notavam algumas melhorias, em relação à quatro anos atrás, quando terminou a segunda guerra mundial.
As pessoas falavam, que um dia a carreira da camionete iria passar pela cova.
- Era só fazer a estrada da gala até à cova, e já estava, dizia o meu avô .
Enquanto, acendia mais um cigarro.
Eram este e outros pensamentos, que o menino João passeava no seu imaginário, naquele momento...
Era tão bom andar de camioneta, já tinha ido duas vezes à Figueira com a mãe.
Entretanto a chuva tinha parado.
Caminhou até à praia, que ficava a uns vinte metros.
Quando chegou, olhou em redor, não havia ninguém.
Descalçou os velhos tamancos pretos e as meias "algarvias" e desceu a barreira.
O contacto dos pés com a areia fria e molhada, não era muito aconselhavel, mas a sensação de fazer algo proíbido, despertava o apetite.
O "mano" tinha feito isso com ele, o ano passado quando fez quinze anos.
Hoje era o dia do seu aniversário, mas ele estava longe...
Tinha-lhe deixado o velho pião e as "afundas" como lembrança, para andar aos pardais e serenos, brinquedos, que guardadva sempre religiosamente no bolso das calças.
Depois de uma caminhada de cerca de duzentos metros para sul...não resistiu, tirou o sobretudo, e mergulhou nas águas salgadas e frias do mar...
Ergueu-se tremelicando de frio, depois olhando o horizonte, gritou bem alto: - Feliz aniversário meu querido irmão...
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