domingo, 11 de abril de 2010

Os Índios da Praia

Cova, meados de julho de 1966.
Uma pequena pedra bateu no vidro da janela do sotão onde dormia, como combinado, os amigos já estavam à espera lá fora, eram sete e meia da manhã.
Vestiu rápidamente os calções, que lhe tapavam os joelhos, e a camisa azul que tinha uns meses antes estreado no dia de páscoa.
Como um felino abriu a janela,pendurou-se no beiral da mesma, e saltou para o "quintal" que ficava por detrás da casa.
A areia amorteceu a queda de uns quatro metros e abafou o ruído, que poderia acordar os pais, que ainda dormiam naquela manhã de domingo. O sol esse já dava gargalhadas de boa disposição, naquele dia de verão.
Partiram juntos em direcção ao pinhal, como cinco irmãos unidos por laços de sangue. O Bicas trazia sempre consigo as "afundas"(fisgas), para o que desse e viesse,não fosse passar de repente um bando de pássaros...O Línguas ia sempre à frente,era o mais velho com os seus dez anos,era ele o chefe do acampamento para onde se dirigiam, numa clareira no pinhal, lá estava erguida uma  barraca de estilo Índio dos filmes "farwest", coberta por ramadas de árvores e"valso",apanhadas junto aos quintais,que por ali perto havia.
Uma corda amarrada,a um dos pinheiros mais altos servia de balancé para fazerem loucuras,em que uma vez o Bexiga quando já ia lançado partiu dois dentes e ficou todo arranhado, num choque frontal com o tronco de uma acácia que ficava a meio caminho.
Entraram numa barraca sentaram-se em circulo, como mandavam as regras.
-É Bébé quantas pontas é que arranjas-te pá?- Perguntou o Línguas ao mais novo do grupo.
-Umas dez mas algumas devem estar partidas, disse.- Passa cá isso caraças, quem é que tem lume?-Eu! disse o Faísca, passando uma grande caixa de fosféros que tinha trazido de casa.
Tinham um cachimbo feito de cana, onde juntavam o tabaco que tinham apanhado das pontas dos cigarros que encontravam no chão, junto às tabernas da aldeia.
Então o Línguas acendia o cachimbo de cana verde, inspirando, inspirando... até ficar vermelho como um tomate, seguindo-se depois uma tosse interminável...e a risada de todos.
Mais tarde, apostavam e desafiavam-se,para ver quem chegava mais depressa lá a cima nos cabeços de areia(dunas), e um deles dizia:- "mora malta, o último a chegar é um coninhas!
A fantasia dos putos confundia-se e misturava-se com o céu azul e o sol daquele verão quente que invadia a aldeia.
Era como uma ilha no fim do mundo, uma ficção inventada, aquela terra junto ao mar, caminhos e mais caminhos de areia branca, abraçados por quintais e valados...casas,muitas ainda bastante rudimentares, construídas de madeira,espalhadas aqui e além... e entre elas um mar de areia branca de centenas de metros...
Ruas,eram poucas as dignas desse nome umas três ou quatro.
Junto a algumas habitações, redes penduradas em varas em posição horizontal, a um um metro meio do chão, para serem desembaraçadas e limpas, redes com cheiro a limo e peixe do mar.
Mulheres do povo, que às vezes passavam atarefadas, com cestas de vime à cabeça carregadas de peixe vivinho a saltar, acabado de chegar nas redes da arte da praia da Cova.
Nesse ano andavam umas três ou quatro embarcações a dar lanços na praia de noite e de dia,consoante as marés, o tempo estava de feição, o mar estava de rastos e estava a dar peixe...que nunca mais acabava,dizia alguém que passava a correr.
Os putos esses continuavam a desafiarem-se,para ver quem chegava primeiro lá em cima às dunas junto à praia.
Depois de uma correria de cerca de 500 metros,digna dos jogos olímpicos, sentavam-se transpirados,à volta de uma caraminheira e matavam a sede com os frutos selvagens que o pinhal oferecia.
Não estavam ainda parados nem uns minutos e já o Línguas desafiava outra vez:
-É malta vamos ao banho,que o mar está mansinho- Retorquia o Bicas:
-Esperem aí "fosca-se",que eu estou apertadinho,tenho que ir mijar, é Bébé agarra-me as minhas "afundas".
Esperavam pelo companheiro...até que passados alguns segundos,formavam um circulo e começavam todos a urinar ao mesmo tempo, como se de um ritual se tratasse.
-Quando mija um, mijam dois ou três!-dizia o Bébé com a força dos seus nove anos, enquanto ia fazendo desenhos geométricos na areia,com a urina que ejectava do seu pénis, atinjindo por vezes os companheiros,que por sua vez lhe atiravam areia para a cara com a ponta dos pés.
Alguns instantes depois despiam-se, e corriam a alta velocidade completamente nus pelas dunas abaixo, levantando uma mini-tempestade areia ... 
Havia redes da arte espalhadas no areal escaldante da praia, o sol estava no seu zénite,pouco passava do meio-dia, as redes eram agilmente evitadas num sprint em ziguezague, como se de um obstáculo se tratasse que depois de ultrapassado, incitava finalmente a mergulhar  nas águas salgadas do mar...(continua )

Nota: Estória verídica , passada na povoação da Cova,em julho de 1966.
        Os nomes dos  intervenientes são fictícios,

(em"Os Índios da Praia")

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O Mar...da Cova.

O Mar...da Cova.
Praia da cova...teu mar é imenso,tem muitas estórias para contar.Quando era criança quis alcançar o teu fim...nos meus pensamentos.O teu horizonte era a minha amante longínqua...As dunas a cama aonde um dia me iria deitar contigo...

Que dia é hoje?

Só existem dois dias no ano,em que nada se deve fazer.
Um chama-se ontem,e o outro amanhã.
Por isso hoje é o dia para amar,crer,fazer e principalmente viver...

Ponte dos Arcos...na Gala

Ponte dos Arcos...na Gala
Velha Ponte dos Arcos...Ponte da minha infãncia.Tua vida chegou ao fim...mas a tua imagem ficará sempre em mim.Olhas o rio,como quem olha o espelho da vida.Já viste alguém nascer...quem sabe!Não evitas-te que junto a ti alguém morresse.

Praia da Cova...

Praia da Cova...
O perfume do teu mar...é o presente,foi o passado e será o futuro da minha existência...