A estrada estava deserta, assim como o largo areal em frente, a noite fria de dezembro estava chegando depressa.
As pessoas estavam em casa reunidas em família.
Lá fora, o vento conseguia levantar alguma areia.
Areia que trazia à minha imaginação os meus desejos natalícios de menino.
Havia algumas estrelas no céu e desenhos inventados por mim que as abraçavam.
Da minha janela contemplava e contava as árvores de Natal nas janelas das casas em frente.
Às vezes ouvia o sino da capela ao longe...
Sonhava com o dia seguinte, e com o sapatinho cheio de brinquedos, que o "menino Jesus" me iria oferecer.
O meu pedido era um barco à vela.
Tinha reparado nele no mercado da Figueira, quando lá fui uma vez com a minha mãe.
Estava numa montra,ao lado de outros grandes barcos, mas foi aquele que fizeram brilhar os meus olhos de menino.
Agora o Natal estava a chegar...
Umas semanas antes, depois da catequese do domingo,em que muita gente se confessou ao prior, eu também me confessei.
Ao "Cú de Borracha", como era conhecido na aldeia, e falei-lhe do barco à vela.
- O menino fala com os seus pais,...retorquiu assim, com o seu tom de voz suave que chegava até a mim por entre os orifícios do confessório.
Na véspera de Natal a minha mãe, tinha ido à mercearia do "Manel dos Caracois."
-Vou-me ali aviar num instante, já venho, não saias de casa, toma conta da tua irmã, e não abras a porta a ninguém, que já é noite fechada.
Muitas vezes era a fiado, havia muitas famílias na Cova, que tinham necessidade de recorrer a este meio de venda a crédito.
O meu pai andava ao rio com o meu avô a ganhar uns tostões, enquanto não partia para a Terra Nova no Fagundes, para a pesca do bacalhau.
Minha mãe tinha acabado de chegar a casa, muito apressada, poisou o saco da loja em cima da mesa da cozinha, e disse-me para esperar na sala.
Entretanto, alguém bateu à porta.
Aproveitei a sua breve ausência, e fui espreitar no saco.
Fiquei deliciado com aquilo que vi!
Ouvi o até "amanhim" da Ti Maria e fechei o saco.
Rápidamente como um felino,voltei para onde estava antes.
-O bacalhau está caro como o fogo, tenho ali três postas, que comprei ontem, já chega prá a gente !
-O teu pai e o teu avô nunca mais chegam da Gala...já são quase sete horas.
-Pois é, disse acenando com a cabeça, disfarçando o meu nervosismo, por antes ter aberto o saco.
Entretanto o meu pai tinha chegado com o meu avô.
- É te Manél quer beber um café? - É cachopa não, ca tua sogra está há minha espera, é melhor ir andando, tenham uma boa ceia de natal, passem por lá amanhã com os meninos.
Era uma noite especial, fora do comum.
Eu só pensava no crepúsculo da manhã do dia seguinte...e no meu barquinho à vela que tinha pedido ao menino Jesus.
Depois de termos ceado, adormeci com os meus sonhos de criança de cinco anos.
De manhãzinha cedo acordei...
Ainda todos dormiam e eu corri para o borralho onde estava o sapatinho.
Fiquei estupefacto com o que vi!
Bombons de chocolate envoltos em papel de prata de várias cores, aqueles que estavam no saco da loja do dia anterior!
O barquinho à vela não tinha navegado até junto a mim...
Percebi quem era o menino Jesus.
Apanhei alguns bombons.
O resto meti num tamanco velho da minha mãe em cima do borralho.
Nesse Natal tinha sido eu o menino Jesus.
Pus-me à janela,a comer bombons e a ver a areia que levantava, e voava com o vento, imaginando o meu barquinho que chegava e partia com ela.
(em "Memórias da minha infãncia)
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